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Ninguém é por Acaso

Descubra o poder transformador das suas histórias

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Passei anos da minha infância me trancando no banheiro. Quando ficava chateada, lá estava eu, confinada entre paredes de azulejos. No fundo, eu queria que a minha mãe e meus irmãos notassem que havia algo errado e fossem lá me salvar. Nunca aconteceu. Nunca ninguém bateu na porta para saber se estava tudo bem.

Eles nem imaginavam o que se passava ali. Hoje, entendo que o banheiro era o meu refúgio, a minha caverna do Platão. Tudo crescia ali dentro: o medo, o choro, a angústia. E eu gostava daquilo. Quando a adolescência chegou, continuava me trancando no banheiro, mas, se antes eu queria que alguém “encontrasse” os meus sentimentos, agora era para escondê-los. Desejei muitas vezes que o meu irmão Fernando, dependente químico desde os 15 anos, sumisse e, com ele, toda a minha raiva, frustração e tristeza.

A forma como eu expressava o meu alter ego era através de uma alegria quase irritante. Por pouco, não roubei o título do monge budista Matthieu Ricard de “pessoa mais feliz do mundo”. Será que o Matt também se trancava no banheiro?

Quando comecei a escrever para a Forbes, eu era outra pessoa. Alguém que não sabia (no fundo, não queria) enfrentar a dor. Que ironia ter sido convidada para falar sobre carreira, empoderamento feminino e sucesso, e acabar destrancando aquela porta que guardava tantos segredos. Não passava pela minha cabeça compartilhar com o mundo os meus sentimentos. Escrever sobre as histórias que me causaram tanto sofrimento e o impacto delas na minha vida profissional virou parte do meu processo de cura. Finalmente, consegui dar utilidade à minha dor.

Sentir é experimentar sensações produzidas por causas interas ou externas. Sem sentir, você nunca será capaz de se curar. As suas histórias são únicas e fizeram você ser a pessoa que é. Mas isso não significa que você precisa carregar traumas perpetuando padrões que aprendeu.

Como a sua criança se sentiu quando precisou lidar com a separação dos pais, ou com a proteção excessiva dos pais, pais ausentes, pais brigando, abandono do pai, a morte da mãe, o silêncio ensurdecedor da família perfeita, a irmã bipolar, o pai alcoólatra, o irmão dependente químico. Escassez financeira. Escassez emocional. Abuso físico. Abuso mental. Rejeição. A solidão.

Não importa o quão poderosos somos, quanta coragem e força temos. Há momentos em que não conseguimos nos mover sozinhos para a próxima fase da vida que, com sorte, virá. Porém, quando nos abrimos e dizemos: esta sou eu, estas são minhas feridas, estas são as cicatrizes; o que estamos fazendo é libertar a nós próprios e ao mesmo tempo libertamos outras pessoas.

“Tudo o que afeta um indivíduo diretamente, afeta todos indiretamente”
Martin Luther King Jr.

Cada sentimento, cada emoção e cada reação nos dá o poder de decidir os significados que queremos levar adiante. A nossa energia é preciosa e limitada. Chega de fingir que aquela criança está bem. Das duas, uma: ou ela vai te deixar doente ou vai descontar no outro toda a sua braveza. Escrever ajudou a resgatar a minha criança interna ferida, que não quer mais se esconder.

Aprendi da forma mais difícil que é preciso aceitar a impermanência da vida. Adoecer junto com o outro, ou resistir ao luto, rouba a possibilidade de ser útil e inteira. É preciso decidir o que guardar e o que abandonar.

“O segredo, querida Alice, é cercar-se de pessoas que fazem o seu coração sorrir…”, afirmou o sábio Chapeleiro Maluco.

São essas pessoas que vão te apoiar e mostrar que você pode e deve ser feliz, mesmo, e principalmente, nos momentos mais duros da sua vida. Honre a sua história.

A minha mãe, Antonia, encontrou uma forma de entrar naquele banheiro trancado. Todos os dias, às 7 horas, ela me envia uma daquelas imagens da internet de gatinhos fofos, com flores na cabeça, uma xícara de café e mensagens como: “Feliz quarta-feira. Celebre o dia, o nascer do sol, a família, os amigos e o ar que respira. Celebre o hoje, e faça tudo que puder para ser feliz”. Acredite, essas mensagens têm sido o meu antídoto diário de esperança.

Não somos perfeitos. Não temos pais perfeitos. Não existe família perfeita. De perfeito, só mesmo a imperfeição.

A felicidade é uma escolha (e prepare-se, porque dá muito mais trabalho do que ser triste), e ela vem de dentro de você. Feliz Ano Novo.

Afinal, ninguém é por acaso.


Luciana Rodrigues é conselheira do board da Junior Achievement, membro do conselho da Iniciativa Empresarial pela Igualdade e do comitê estratégico de presidentes da Amcham. Também é aluna de pós-graduação em neurociências e comportamento.

Fonte: Forbes





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