Eu demorei para me formar. Foram quase 10 anos. O curso de Direito é caro, e eu comecei tarde, já sendo mãe.
Lembro de quando criança, minha mãe dizia assim: você vai ser juíza. Naquela época, para mim essa possibilidade era distante.
Antes de acabar o ensino médio tive o meu filho mais velho, por isso fui terminar os estudos regulares em um supletivo, onde eu conheci uma pessoa, a Cláudia. O marido dela era formado em Direito, e ela me instigou com a ideia de seguir também essa carreira.
Fiz vestibular e adivinhem só? Passei! Achei que aquilo era um sinal divino. Comecei a faculdade, em pouco tempo, estava apaixonada pela área jurídica.
Sou uma mulher que não desiste fácil. Demoro para decidir uma coisa. Mas quando isso acontece, vou até o fim.
Sabia que não seria fácil, e não foi. Não venho de uma família que já tenha advogados, não tive ninguém que me indicasse e eu vim de um outro ramo. Ainda tinha o fato de ser mulher, e mulher negra.
Uma vez eu ouvi em um processo de seleção para estágio: "eu vou te dar esta oportunidade, porque sei como é difícil para uma mulher como você conseguir se colocar na área do Direito". No fundo eu já sabia, mas ouvir isso, só deixou as coisas mais claras para mim.
Tem audiências que eu vou, e quando o advogado da outra parte é homem, ele tenta se sobressair. Quer me fazer duvidar da minha própria capacidade. Uma coisa que eu aprendi com o tempo foi a como me impor de forma educada e sem me desestabilizar.
Hoje, sou uma jovem advogada, faz três anos que eu me formei. Tenho certeza que estou na profissão certa. Amo fazer audiências, elaborar recursos ou processos.
Mas ao longo dessa jornada, tive que abrir mão de muita coisa.
Na época da faculdade eu já trabalhava fora, na área financeira, onde era bem remunerada, — diga-se de passagem. Com os estudos e um filho, precisava me dedicar até aos finais de semana para dar conta. E no meio da faculdade eu engravidei do meu segundo filho. No quarto semestre eu tranquei o curso.
Tive que ter muita determinação para retomar a faculdade, porque os desafios são grandes e o cansaço também. Mas dentro de mim, tinha um pensamento de que isso era coisa certa a se fazer, que isso mais tarde seria um exemplo de persistência para os meus filhos.
Retomei os estudos, e no sétimo semestre de Direito, sem nenhuma prática na área, eu vi uma vaga de estágio que não exigia experiência. Parecia ótimo, mas o salário era para receber cerca de 40% a menos do que eu ganhava. Só que eu tinha que arriscar.
Conversei com minha família que é meu maior apoio. Falei que, talvez, precisasse de uma ajuda financeira, porque diminuiria minha renda, e eles me incentivaram a ir adiante. Isso foi uma virada de chave para minha vida.
Tudo estava caminhando bem, e no meu último estágio fui efetivada. Até que veio a pandemia e os cortes de pessoal. Acabei sendo demitida.
Em abril de 2020, eu estava desempregada, e vi uma oportunidade aqui na Renovação Logística. No momento eu fiquei meio ressabiada, porque não tinha experiência nenhuma em transporte. Mas mandei meu currículo, fiz três entrevistas e consegui a vaga.
Estou trabalhando há três anos no setor, na parte jurídica da transportadora. Aqui eu tive uma pessoa que acreditou em mim, eu sou grata por ela ter feito essa aposta.
Ao longo dos anos, fui aprendendo, entendendo de transporte, conhecendo de logística, observando como uma empresa funciona internamente. Com todo o empenho que demonstrei, fui de assistente jurídica para advogada da empresa.
Estou aqui, nesse posto respondendo pela transportadora, e às vezes, eu paro e penso: cheguei nisso em pouco tempo depois de formada. No entanto, se comparar com os anos que demorei para terminar o curso, não foi rápido assim. O tempo é algo relativo.
Aqui dentro sempre tento passar a seguinte mensagem: todos nós precisamos avançar pelo mesmo caminho. Sou humilde em dizer “não sei, por favor me ajudem e me ensinem”.
O setor de transporte em sua maioria é composto por homens. Nós temos mulheres capacitadas, e poderíamos estar mais presentes na operação, mas é muito difícil colocar uma mulher com mais 20 homens. A gente sente uma resistência deles, que já estão lá há mais tempo.
Uma vez escutei de uma pessoa da operação, “você só tem serviço porque a gente comete erros, e vem as ações reclamatórias”. Eu falei não mesmo! Se vocês fizerem tudo certo e não vier nenhuma ação, eu ainda tenho muito serviço. Não se preocupe.
Nós mulheres ainda estamos ocupando nossos espaços e nossa atuação em cargos de liderança também é recente. Agora, conversamos no mesmo patamar. De igual para igual. Isso é difícil para alguns homens aceitarem, o machismo é uma cultura ainda enraizada.
As empresas deveriam apostar mais no equilíbrio em seu quadro de funcionários. Se é homem ou mulher, essa informação em uma contratação, deveria ser indiferente. Movimentos de equidade como o Vez & Voz deveriam ser mais divulgados, para motivar e inspirar mais mulheres. Tem gente que começa no setor e desiste pelas dificuldades.
Mas quando você consegue fazer com que as pessoas se projetem em você, você mostra para elas, que dá para fazer. Eu tenho uma sobrinha que disse que vai fazer Direito, porque eu consegui me formar e atuar na área.
Disse para ela, e digo aqui novamente: se você quer muito algo para tua vida, faça o que for preciso para dar certo. Por mais que seja desafiador e você tenha que ir chorar diversas vezes no banheiro. Fazer o que a gente gosta não tem preço.
Por Luiza Petri, advogada na Renovação Logística.
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