Camila Florencio: “Quando a gente se enche de coragem e age, transformamos tudo ao redor”
- Vez & Voz
- há 4 dias
- 5 min de leitura

Por formação, sou publicitária. Trabalhava em uma agência quando recebi uma ligação da Jamef falando que havia uma oportunidade para fazer a parte da área de parceria deles, na qual tinha experiência.
Na hora pensei: uma transportadora? Existia aquele estigma de ser um ambiente desorganizado, masculino demais, sem muitas perspectivas.
Mesmo assim, resolvi ir. E quando cheguei, fiquei encantada com o movimento, a estrutura e a organização do lugar. Era tudo tão diferente do que eu imaginava.
Fui contratada e fiquei 10 anos lá. Entrei como assistente. Em 2008, fui convidada para assumir o departamento de Marketing e Comunicação. Foi minha primeira oportunidade como líder.
Aprendi que liderar é, antes de tudo, equilibrar duas frentes: pessoas e processos. Uma não caminha sem a outra. Minha maior satisfação está nesses dois pontos; ver um plano dar certo e trabalhar com pessoas boas. Porque ninguém é um bom profissional se não for, antes, uma boa pessoa.
Um dos meus maiores orgulhos é ver pessoas que já foram lideradas por mim me dizerem que gostariam de trabalhar comigo de novo. É algo que enche meu coração.
Depois da Jamef, por indicação do Adriano, presidente da empresa, vim para o SETCESP, na gestão do Tayguara. Havia a necessidade de estruturar a área de comunicação — e cá estou há quase uma década.
Cada cargo traz seus desafios. O meu, hoje, é manter o setor de transporte atualizado, porque a entidade tem esse papel.

E, à frente do Vez & Voz, o desafio é ainda maior: falar de diversidade e equidade em um setor tradicionalmente conservador, liderado majoritariamente por homens.
Precisamos fazer com que as ações pela equidade sejam concretas, que não sejam só marketing ou da boca para fora. Estamos falando de uma mudança que não é só corporativa, ela é social.
Se a gente parar para pensar; a presença feminina em vários lugares é recente. Vem acontecendo com mais efetividade a partir da Segunda Guerra Mundial, época em que as mulheres ganharam mais autonomia econômica. Faz só 90 anos que a gente pode votar. É pouco tempo.
No transporte, as mulheres ainda são cerca de 15% do total. A maioria das empresas é familiar, liderada por homens, com estruturas hierárquicas rígidas e decisões centralizadas.
Nosso trabalho com o Vez & Voz é transformar esse cenário. A evolução é lenta, mas precisa ser contínua.
Cinco anos atrás, o tema sequer era discutido. Hoje, conseguimos falar abertamente sobre e reconhecer que ainda há muito a fazer. O objetivo é claro: ter mais mulheres na alta liderança, com poder real de decisão. Afinal, as regras sempre foram pensadas por e para os homens.
Aliás, é a primeira vez na minha vida que estou sendo liderada por uma mulher. Trabalho desde os 15 anos e a Ana Jarrouge é a primeira líder mulher em minha carreira.

Isso fez uma diferença enorme para mim. Passei por um período muito delicado na vida quando enfrentei um divórcio e o trabalho foi um pilar importante que me sustentou.
Nesse momento da minha vida, tive espaço para falar sobre o que estava vivendo com minha liderança, algo que talvez eu não conseguisse com um homem. A liberdade, o apoio, escuta e acolhimento foram muito importantes para que eu conseguisse lidar com minhas emoções enquanto as demandas do SETCESP também precisavam da minha atenção.
Sabe, o apoio psicológico e a independência econômica que me possibilitaram tomar essa decisão de me separar, porque estava preparada todas as consequências que vieram depois. Falo isso, porque sei que as coisas não são assim para todas as mulheres. O que poderia ser um motivo para não falar a respeito, hoje se tornou uma fortaleza, e por meio da minha história eu consigo ajudar muitas mulheres que passam pela mesma situação.
Trabalhar, para mim, é sinônimo de liberdade. É o que me possibilitou estudar, viajar, conquistar bens materiais, conhecer pessoas, aprender coisas novas e crescer, não só como profissional, mas também como pessoa.
Me considero realizada com minha trajetória, mas consciente de que tenho muitas coisas nas quais ainda posso melhorar profissionalmente.
Meu sonho, à frente do movimento, é que um dia não precisemos mais dele — porque teremos alcançado a igualdade de oportunidades para todas nós.
Tenho muito orgulho das marcas que ajudei a construir, como o rebranding da Jamef e da referência que o SETCESP se tornou, resultado de tantas ações e conteúdos que produzimos.
Ao longo da minha carreira, sem dúvida, tive muitas coisas boas, mas já enfrentei muitas adversidades também.
Coisas que por muito tempo tive vergonha de falar, mas agora não tenho mais porque sei que a culpa não foi minha.
Passei por uma situação de assédio. Ele era meu chefe. Foi extremamente complicado, porque era uma época em que não se falava sobre o assunto. Fui boicotada de todas as formas profissionalmente.
Quando a gente passa por essa situação de assédio, o primeiro pensamento é: isso não está acontecendo. Até que você realmente se dá conta… de que está.
Depois vem a dúvida cruel: será que fui muito simpática? Será que falei alguma coisa? Será que foi a roupa que eu usei?
A gente traz para nós uma culpa e uma responsabilidade que não são nossas. Porque isso é sobre o comportamento daquela pessoa, não é sobre a roupa, não é se fui simpática ou se eu sorri demais.
Não é sobre mim, é sobre o comportamento inadequado do outro.
Essa situação me gerou muito nervosismo. Fiquei noites sem dormir. Na época, eu não quis falar para ninguém por vergonha e a única pessoa com quem falei, o RH da empresa na época, me disse assim: — É a sua palavra contra a dele.
Demorei a entender o que estava vivendo. Hoje, eu saberia identificar na hora e falaria sem medo, porque aprendi que a responsabilidade nunca é da vítima.
As empresas também precisam estar preparadas para lidar com isso, com protocolos, acolhimento e punições adequadas para quem é realmente o responsável ‘que nunca é a vítima’. Ainda bem que evoluímos, e muito, neste tema, inclusive com leis estaduais e federais.

Em tudo o que vivi, sempre encontrei apoio nos meus pais — meu porto seguro e meu aeroporto. Sempre falo pra eles que são meu porto, porque é para onde sempre posso voltar; e aeroporto, porque são eles que me ensinam a voar.
Nunca pensei em desistir, mas aprendi que é preciso coragem para mudar de rota quando o caminho não está certo.
Essa palavra, inclusive, está tatuada em mim: CO-RA-GEM.
Porque todo mundo que passa por desafios tem medo e incertezas. Eles fazem parte da vida. Mas quando a gente se enche de coragem e age, transformamos tudo ao redor.
Camila Florencio é gerente de Comunicação do SETCESP e coordenadora do movimento Vez & Voz.
