1990 foi o ano em que iniciei minha vida profissional no setor de transportes. Só que bem antes disso, eu já conhecia esse mundo. Minha mãe trabalhava em uma grande transportadora. Lembro que quando criança cheguei a participar junto com ela de festas e confraternizações do trabalho. Foi aí que tive contato com o TRC, caminhões saindo e chegando e cargas sendo separadas.
Via isso e ficava encantada. Portanto, quando cresci já sabia - “é isso que quero fazer”! E assim foi. Deus, na sua infinita bondade, me ajudou a entrar no setor de transporte rodoviário. Tinha na época 16 anos.
Me casei aos 19 anos. Aos 23 tive meu primeiro filho e aos 26 minha filha. Quando tudo isso aconteceu, precisei ao mesmo tempo aprender a ser boa mãe, boa dona de casa, conciliando com ser uma boa profissional.
Uma vez, quando pequenos, meus filhos me viram fazendo minha marmita e pediram uma marmita para eles também, perguntei - “por quê?”, e eles me responderam “que não aguentavam mais comer a comidinha da creche”. Nesse momento parei e chorei. De alguma forma me senti a pior mãe do mundo. Compartilho esse episódio, porque sei que é um sentimento recorrente entre as mulheres.
Então por causa disso fui conversar com a minha mãe. Eu já estava decidida a sair do emprego. Ela disse: “filha, você não pode parar, o que você faz trabalhando é por eles, e para eles. Não desiste”. Eu ouvi o que ela falou, não parei, não saí do meu emprego e me sinto encorajada, até os dias de hoje, com os conselhos dela.
Não foi algo fácil, exigiu muita determinação, força e amor. Olhando para trás vejo que consegui! - Formei meus filhos. Eles são a razão da minha vida, aquele amor incondicional.
Em 2005, minha filha teve um grave problema de saúde e ficou 15 dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva), essa foi a primeira vez na vida que larguei tudo para cuidar somente dela, Com a graça de Deus ela se recuperou.
Logo depois, aquela mulher que tanto me inspirou com seus conselhos, minha mãe, adoeceu vindo a falecer. Com sinceridade digo, o que ameniza minha dor é saber que cuidei dela com muito carinho, amor, atenção e dedicação. Fui até o fim ao seu lado, e pude dar aquele adeus. Larguei tudo, pela segunda vez. Mas no meu coração tenho a sensação de missão cumprida.
Com todas essas complicações fui demitida do meu trabalho, que era também uma grande paixão para mim. Tinha virado a funcionária problema com a sequência de filha e mãe doentes. Foi um momento conturbado, mas consegui me reerguer. Mágoa, não tenho, só gratidão, pois aprendi muito com tudo isso. Em 2010 voltei a trabalhar no setor transportes, ingressei no SETCESP onde estou até hoje.
Agora com meus dois filhos formados quero dar continuidade a minha formação. Hoje, cada vez que conquisto algo, já me direciono para um outro objetivo, e assim sigo em frente. O mundo nos cobra atualizações constantes. Iniciei minha carreira como Operadora de Telex, e agora sou coordenadora do departamento de relacionamento com o transportador.
Dois fatores foram importantes e permitiram chegar até aqui: atualizações constantes e amor pelo que faço.
Tenho plena satisfação em ajudar o transportador, para que ele melhore o dia a dia em suas operações. Mesmo que ele não adquira meu serviço (não se torne um sócio), se eu o ajudei já me sinto realizada. Conheço as dificuldades de uma transportadora. A carga tributária é esmagadoramente alta e há a dificuldade em se cobrar um preço justo no frete.
Sei que o transporte é um setor extremamente masculino. Em algumas determinadas situações, percebi homens confundindo simpatia e cordialidade com liberdade. Mas em todo esse tempo aprendi a me impor e deixar bem claro os limites.
Se estou onde estou é porque muitas mulheres lutaram. E essa luta se faz cada vez mais necessária em todos os espaços.
Que possamos nos unir cada vez mais, para que nossas vozes ecoem em muitos outros lugares!
Deixo essa frase para nossa reflexão e estimular uma melhor valorização das mulheres: “mais da metade do mundo é constituído por mulheres e o restante pelos filhos delas”.
*Por - Silmára Leopoldo Uva, neta da Dona Dora, filha da Dona Lúcia, irmã da Carla, mãe do Gabriel e da Fernanda, namorada do Roberto, sogra da Isabella, coordenadora de Relacionamento com Transportador do SETCESP... e dona da Bistequinha (uma vira-lata adotada muito amada).
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