Houve uma época em que o transporte de cargas era tido como algo só para meninos. Mas prefiro acreditar que isso já ficou no passado. A minha relação com o setor vem de berço. Mas eu não sou uma herdeira, meu pai não ficou com a empresa. Com três filhas mulheres, não achou que poderíamos lidar com isso, além de outras circunstâncias que o fizeram deixar a transportadora.
Mas cresci ali às voltas dele. Muito curiosa, tentando entender um pouco mais de como funcionavam as engrenagens do transporte. Sou apaixonada por este setor. Anos mais tarde, enxergando em mim vocação para coisa, meu pai me indicou para uma vaga no Sintropar (Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística do Oeste do Paraná). Comecei lá como atendente ao público. Hoje estou como secretária executiva.
Com o tempo, fui me aproximando do pessoal da COMJOVEM aqui de Cascavel [Paraná]. Depois, o Antonio Ruiz foi eleito presidente e me possibilitou estar presente nos eventos, porque até então, ficava muito dentro do sindicato, entre quatro paredes, só fazendo o básico.
Foi no Vez & Voz que pude encontrar o apoio, a sororidade, o incentivo para ocupar meu espaço por merecimento. Penso que se o movimento tivesse entrado na minha vida um pouco antes, tudo teria sido… não digo fácil, mas diferente. Talvez, um pouco menos de lágrimas.
A gente precisa muito conscientizar as mulheres mais experientes para que tenham uma maior receptividade e empatia pelas mulheres que estão chegando. Tanto sofri com isso na pele, como vi várias outras pessoas que relatam o mesmo.
Uma vez fui convocada para uma reunião. Então preparei tudo como seria feito normalmente. E na hora da apresentação, quem estava conduzindo a reunião pediu para cada um falar sua opinião, mas simplesmente pulou minha vez.
Fiquei sem reação. E essa atitude partiu de uma mulher. Foi o que piorou tudo. Naquele momento, não tive força para me levantar e falar: ei, estou aqui! Não tive coragem de me posicionar nessa reunião, onde as pessoas simplesmente me ignoraram. E ela fez isso por eu ser mulher.
Nesse momento, eu pensei em desistir. Mas ouvi os conselhos de alguém que me falou as palavras certas. Precisei dessa rede de encorajamento e apoio para poder me dizer que aquilo ali significava força para mim.
Apesar de ter dito: ‘chega, eu não quero mais, porque eu não consigo ter voz!’ — Depois, entendi que eu tinha voz mesmo através do meu silêncio. Eu estava lá, presente, isso por si só fez toda a diferença para o meu fortalecimento.
Passado um tempo, aconteceu outra reunião. Mas aí eu já não era a mesma. Logo senti que não podia deixar aquilo como estava, se não ia continuar acontecendo. Aí levantei a mão e, de início, pedi a palavra para me posicionar, porque se a intenção era me pular novamente, eu já não estava disposta a deixar isso acontecer de novo.
Agora observo, graças a Deus, as pessoas que torciam o nariz lá atrás, falando: ‘que lindo, está tudo maravilhoso’, só elogios para o meu trabalho. A exemplo, na Transpoeste, organizei e assinei a feira 100%, até hoje estou em êxtase pelo meu feito. Levei o Vez & Voz para dentro da feira, inseri um painel só de mulheres. O evento lotou, foi muito gratificante.
A verdade é que tem espaço para todos no transporte, ninguém quer o lugar de ninguém. Por todos os momentos difíceis que já passei, quero destacar sempre que o respeito é primordial, independente do gênero. Eu estava ali e as pessoas fingiram que não estava.
Por isso, precisamos trazer o Vez & Voz aqui para a região Sul e eu fico feliz de ser este elo, tentando abrir espaço para as mulheres na região. E que elas possam estar nas diretorias e nos cargos de alta liderança.
No Paraná é muito forte a questão do agro, então precisa de muita mão de obra para dar conta de toda a demanda. Essa é uma das maiores dificuldades reportadas pelas transportadoras. Mais um motivo para haver a capacitação das mulheres no setor, para elas ocuparem estas oportunidades.
Sei que para muitas é complicado trabalhar fora e dar conta da casa e da família. É difícil a gente ter que deixar o filho doente, não poder levar na escola todos os dias ou deixar de estar presente em uma reunião escolar. Tudo isso é muito dolorido, mas são escolhas que a gente faz quando aceitamos os desafios e a recompensa por esse esforço vem.
Como mãe de duas meninas, eu acredito muito nessa minha luta, quero muito que minhas filhas não precisem provar o tempo todo, por serem mulheres, que são capazes de realizar algo em que elas já estudaram e estão aptas para fazer.
Quando vejo a Gisele de hoje, tenho muito orgulho da profissional que eu me tornei e de tudo o que conquistei. Foi com muito suor, esforço, estudo, dedicação e fé. É aquela velha frase que diz: ‘a gente nunca sabe a força que tem, até que a única opção seja ser forte’.
Mesmo nas nossas dificuldades, conseguimos tirar lições valiosas para mais na frente ajudar as pessoas. Com o ordinário bem feito diariamente, a gente encontra o extraordinário. O importante é percorrer o caminho sem atalho, passar pelo processo para conseguir alcançar os objetivos com sucesso.
Deus escolheu o ventre de uma mulher para ser a primeira morada de seu filho, então ninguém pode dizer que não somos dignas!
Por Gisele Verruch, secretária executiva do Sintropar
Comments