Completei 30 anos no setor de transporte rodoviário de cargas, todos eles na Patrus Transportes. Quando comecei, estava passando por um momento muito delicado. Uma separação com dois filhos pequenos. A Ester tinha dois anos e o Daniel um.
Minha irmã já trabalhava na Patrus. Só que ela me achava frágil, não me via entrando no transporte, justamente, porque era um ambiente muito masculino.
Mas aí uma amiga da família teve mais ousadia e me indicou para uma vaga. Fiz a entrevista com o Marcelo Patrus, que hoje é o CEO da empresa, foi ele quem me contratou.
Foi um grande desafio, primeiro fui trabalhar no atendimento. Depois com a devolução de canhotos. Mais tarde fui para o SAC (Serviço de Atendimento ao Consumidor) e para o EDI (Electronic Data Interchange), que é a troca eletrônica de dados.
Passei por várias áreas. Implantei a central de documentos, que era o CEDOC para a digitalização dos Conhecimentos de Transporte. Fui vencendo cada desafio. Comparo sempre a minha vida como uma escada. Vou subindo um degrau de cada vez.
A gente tem umas ações de responsabilidade social na Patrus, e foi numa visita que eu descobri que queria algo diferente para minha vida. Esse despertar para o Serviço Social, veio aqui de dentro mesmo.
Havia muitos anos que eu não estudava. Então pensei, farei o vestibular para ver como estou, e no próximo ano faço um cursinho e a prova novamente. Mas aí eu passei. Só que ainda não tinha condições financeiras de fazer o curso. Então em 2006 comecei o curso de Serviço Social e entendi que eu precisava fazer uma transição de carreira.
Então surgiu um programa na Patrus, que tem até hoje, que é o Bem-estar, que envolve a formação acadêmica. Pelo tempo de casa que eu tinha, consegui o custeio de 40% do valor da faculdade.
Já antes de terminar o curso, houve a fundação do Instituto Marum Patrus (IMAP), desenhado pela Marina Patrus como um plano de negócio na Fundação Dom Cabral. O Instituto foi criado para concentrar todas as ações de responsabilidade social que a empresa fazia.
Tudo o que acontece na minha vida vejo como um direcionamento de Deus. Como já estava fazendo o curso, então o instituto foi uma porta de entrada para o meu novo foco profissional. Porque, teoricamente, não teria oportunidade de trabalho nesta área. Deus é providencial em tudo.
Falei com a Marina que gostaria de ser assistente social e saí da gerência do CEDOC e comecei a trabalhar no Instituto, que desde então, tem sido uma referência tanto para o público interno, quanto para as comunidades do entorno.
Implementar a responsabilidade social numa empresa não é um processo fácil. As pessoas costumam achar que só envolve distribuição de cesta básica. Não é só isso. É preciso estimular a noção de direito e de cidadania.
No Instituto, temos três pilares: a assistência social, a capacitação profissional e o voluntariado.
Contando para vocês de um desdobramento da minha atuação, agora com essa tragédia lá no Rio Grande do Sul, fui para a unidade de Novo Hamburgo. Tivemos 45 pessoas afetadas lá diretamente, que perderam tudo.
Pudemos sentar com cada um deles, escutar suas histórias, também falar que estávamos lá para apoiá-los. E estamos fazendo um levantamento de tudo que eles têm de necessidade.
Vai dar para a gente repor tudo o que foi perdido? Não vai dar. Mas o importante é estarmos fazendo algo. A Patrus mandou mais de 50 carretas lá para o Rio Grande do Sul com doações.
O que me faz levantar todos os dias com muita paixão é a vontade de fazer a diferença na vida das pessoas. Às vezes a pessoa não sabe, mas estou me alegrando de ver uma realização dela.
Eu quis dedicar a minha vida ao trabalho e a criação dos meus filhos. Não me arrependo de nada disso. Foi uma escolha. E eu fiz a opção também de não ter uma nova pessoa na minha vida.
Na realidade, hoje, depois dos estudos, consegui perceber que sofri uma violência psicológica fora do comum, e por isso me separei.
A minha mãe foi incrível e me ajudou com as crianças. Enquanto ela estava viva, foi a minha rede de apoio.
Sei que hoje meus filhos se sentem orgulhosos da mãe que têm e da avó que tiveram. Já tenho três netos, que são as coisas mais lindas que você possa imaginar.
E a minha história no setor de transporte rodoviário de cargas mostra que, apesar de ser um ambiente que tem muitos homens, nós podemos ter voz. Sou uma diversidade aqui dentro. Sou uma mulher, mãe solo, fiz uma transição de carreira dentro dessa empresa e estou aqui faz anos.
Tenho dois propósitos na minha vida: o primeiro de viajar mais, conhecer o mundo começando pela a Grécia e Itália, o outro é o de deixar o IMAP cada vez mais fortalecido. O trabalho também tem um valor muito especial na minha vida, não só o financeiro.
Estamos fomentando a diversidade, equidade e inclusão, trazendo uma fala mais democrática para todos. Explicando para as áreas de recrutamento e seleção, que a empresa precisa ser diversa, porque isso vai nos possibilitar muito mais e torna o ambiente mais amistoso, gentil e humano.
Precisamos continuar batendo nessa tecla e usando todos os recursos que vierem à nossa mão. Falar disso sempre quando houver oportunidade de mudança. Não podemos nos acovardar.
A gente precisa trazer o assunto da inclusão das mulheres no setor para rodas de conversa, para ser discutido e pensado. As mulheres têm uma trajetória de conhecimento e escolaridade muito maior e ganham muito menos.
Quando voltei do Prêmio Vez & Voz estava parte da nossa diretoria reunida e eu levei lá o troféu que ganhamos. Tinha umas cinco pessoas e só uma mulher. Falei: sabe por que recebemos isso aqui? Pelo compromisso que temos em ter mais mulheres na liderança.
Daí eu já vi um movimento em torno do que eu disse. Então, eu não posso perder as oportunidades de mencionar aquilo que a gente vê que precisa mudar. Nós não podemos perder a chance de ter conversas difíceis.
Neste ano, 80% das unidades da Patrus vão ser formadas com diversidade, equidade e inclusão. Os dados do IBGE dessa falta de equidade são falados para nossas lideranças e aí perguntamos: e se fosse sua filha? Se fosse sua esposa ou a sua mãe que não tivesse onde trabalhar?
O lugar da mulher é onde ela escolhe estar. Ela pode tudo aquilo que deseja. Não tenha medo de enfrentar desafios, porque a coragem faz a gente chegar a lugares maravilhosos. E quando você olhar no retrovisor, vai pensar assim: que bom que eu não desisti.
Por Olga Mendes, gerente de Responsabilidade Social do Instituto Marum Patrus.
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