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Sandra Regina: “Meu primeiro veículo de transporte foi uma Kombi”

Acervo pessoal Sandra Regina
Acervo pessoal Sandra Regina

Me chamo Sandra Regina Conceição, tenho 53 anos, três filhos e um neto.

Comecei a trabalhar em 1988 em uma indústria. Mas sempre gostei de dirigir, de pilotar.

Tenho tios que são motoristas de caminhão e de ônibus. Mas mulher, caminhoneira, sou só eu na família. Também sou a única bisneta, neta e filha mais velha.

Sempre quis dirigir coisa grande. Era meu sonho. Em 2006, entrei no ramo de transporte, mas no de passageiros em uma empresa de ônibus.

Quem me incentivou foi meu ex-marido, pai dos meus filhos. Fui casada com ele por 21 anos. Na época, ele me deu força para trocar a categoria da CNH.

Resolvi tirar a carta D para conduzir ônibus. Quando consegui, mandei uma ficha para a uma empresa de transporte de passageiros e passei. Lá me colocaram para fazer transporte escolar.

Meu primeiro veículo de transporte foi uma Kombi. Nesta firma, não tive oportunidade de conduzir os ônibus. Hoje, sei que lá tem várias mulheres dirigindo ônibus, mas naquele tempo o dono não queria.

Mesmo assim fiquei lá porque foi minha primeira oportunidade no volante. Em 2009, mudei de novo a categoria da CNH e entrei em uma transportadora de cargas. Fui logo de cara fazer transporte internacional, viajar pelo Mercosul. Foi onde deslanchei.

Essa empresa me abriu as portas, mas fiquei por pouco tempo. Saí para não ficar longe dos meus filhos. Decidi que não seria ainda a hora certa para deixá-los muito sozinhos.

Voltei para a empresa de passageiros na Kombi mesmo. Aguentei firme e forte, sempre pensando positivo.

Disso, surgiu uma oportunidade no ramo de passageiro em outra empresa. Lá fui trabalhar no ônibus convencional. Era a segunda mulher motorista da empresa.

Logo passei para o ônibus articulado. E nossa! Como me senti poderosa dirigindo um articulado. Não me continha dentro de mim.

Depois, consegui um serviço em outra transportadora como motorista para conduzir caminhão de câmara fria. Mais tarde, transportei bebidas e daí assumi um caminhão tanque levando combustível, que é o que faço hoje.

Viajo para o interior de São Paulo, Minas, Mato Grosso. Hoje, enquanto escrevo, estou no Rio de Janeiro.

A primeira vez que eu fiz uma viagem na firma em que trabalho agora, trabalhei tensa. Peguei uma rota horrível com uma estrada cheia de ribanceiras e sem acostamento. Eu segurava no volante como se, a qualquer hora, ele fosse sair da minha mão. Depois ganhei confiança. Essa viagem foi um teste para ver se se aguentava o baque.

Isso não significa que perdi o medo, porque se você perde o medo, você se põe em risco. O medo te faz ficar alerta, só que isso não te impede de ter firmeza no que faz.

Gosto das amizades que encontro pela estrada afora. Das viagens que faço. Tem lugar que conheço, do qual jamais pensava que existisse. Paisagens lindas de verdade. Você trabalha, curte e se diverte ao mesmo tempo.
Acervo pessoal Sandra Regina
Acervo pessoal Sandra Regina

A parte ruim é ficar longe da família. Apesar de que aqui nesta empresa não fico tanto tempo longe. Agora, tenho um companheiro que trabalha na mesma empresa que eu. Quando estou distante, a gente conversa por mensagem.

Meus filhos têm 27, 29 e 33 anos. Já são grandes, não dependem tanto de mim. Se não fosse assim, seria mais difícil.

Apesar de serem todos grandes, ainda me preocupo com eles. Para a mãe, não importa se é filho grande ou pequeno, preocupa do mesmo jeito.

Quando estou fora, durmo na boleia parada nos postos indicados pela empresa. A gente já sabe onde parar pela nossa segurança, não é em qualquer canto. 

Tendo Deus na frente, a gente segue firme. É fé em Deus, fechar os olhos e só descansar para o outro dia.

Em relação ao banheiro e chuveiro, há lugares que, infelizmente, não têm estrutura. A mulher que entra nessa profissão enfrenta obstáculos deste tipo. Não tem conforto, nem para homem, quem dirá para mulher.

A gente quer o direito da gente, mas enquanto não tem, o jeito é contar com a ajuda dos outros. Às vezes, eu peço para alguém ficar do lado de fora do banheiro, e não deixar ninguém entrar enquanto estou tomando banho. Você acaba se adaptando.

Para a gente ter alguma coisa, tem que ter sacrifício. Hoje, este ramo está melhor, em vista de tempos atrás, mas a gente ainda apanha.

Tem gente que gosta de nos diminuir por puro preconceito. Aí você tem que mostrar para os seus colegas de profissão que a única diferença entre eles e você, é que você é mulher, mais nada.

E eu sou o tipo de mulher que não leva desaforo para casa. Digo sempre: me dou ao respeito para ser respeitada.

Uma vez, fiquei bem aborrecida com algo que aconteceu: era fim de semana, fui descarregar o caminhão, coloquei o ‘trava queda’. Lá tinha um operador da base que, quando viu, ficou debochando, de desdém com outro carinha. O ‘trava queda’ não precisa colocar para a descarga, mas eu iria carregar em seguida, então já coloquei de uma vez.

Acervo pessoal Sandra Regina
Acervo pessoal Sandra Regina

Estacionei o caminhão na baia. E continuei vendo aquele ti ti ti – com aqueles olhares de menosprezo. Para mim, aquilo foi porque eu era mulher. Eles estavam me tirando por alguém que não sabia o que estava fazendo. 

Aí fui perguntar o que estava acontecendo. Falei: que zuera é essa aí?! Vocês vão ficar tirando sarro de mim por causa de um ‘trava queda’. Aí não dá, né? Sou profissional tanto quanto vocês. Estou aqui para trabalhar.

Estava na plataforma, desci as escadas igual um foguete e fui à salinha dos gerentes. Perguntei quem era o gerente e reclamei mesmo.

Voltei para a plataforma, manobrei o caminhão. Quando olho no retrovisor, vejo os dois vindo em minha direção. Aí me pediram desculpa, disseram que foi um mal-entendido e coisa e tal.

Aceitei as desculpas, mas sabia que não tinha sido mal-entendido nenhum. Olhei bem nos olhos deles e falei: vocês mexeram com a mulher errada. Acharam que iria ficar calada? Vocês aprendam a respeitar, e não façam mais isso, porque o mínimo que uma profissional merece é ser tratada com educação. Que isso sirva de lição. Nisso, a base da empresa estava lotada. Todo mundo viu e ouviu.

Depois as coisas se acalmaram, passou e tudo se resolveu. Hoje, estes dois são até meus colegas.

Em qualquer firma sempre tem uns que não gostam de você, isso é normal, mas é fundamental botar limites. Brinco com todo mundo, dou risada, mas sempre com muito respeito.

Aqui na firma não tenho reclamação de nada, graças a Deus. E, também, eu não dou motivo para falarem de mim, garanto.

Então, se você é uma mulher e quer ser motorista, vá em frente. Não dê ouvidos para pessoas que querem te diminuir. Só escute quem torce por você.

Tenho certeza de que só o que falta para as mulheres no transporte é oportunidade. Se a mulher não tem experiência, dê pelo menos uma chance, para ver se ela consegue.

Quando a pessoa tem uma chance, ela fica tão grata que se dedica ao máximo. No futuro, quem contratou terá o maior orgulho de ver o avanço dela.

Meus filhos, minha família, têm o maior orgulho de mim. Eu própria tenho. Já estou realizada. Cheguei onde queria estar. Estou dirigindo um caminhão de nove eixos. Gosto da minha profissão. Batalhei para estar aqui.

Não que eu seja 100% em tudo. Mas é tão bom você ouvir a pessoa dizer de você, aquela ali é profissional. Isso enche seu ego.

Quero registrar só uma última coisinha, meu agradecimento à firma onde trabalho pela oportunidade que me deu. Entrei nela, estava com 48 anos, hoje tenho 53. Eles sempre confiram no meu serviço.


Sandra Regina Conceição é motorista carreteira na Spajari.

2 comentarios


Rose Conceicao
Rose Conceicao
há um dia

Essa mulher não é so a minha irmã .

E sim uma mulher que derrubou barreiras e encorajando e provando que mulher pode sim ser uma carreteira .

Pois o que ela batalhou pra estar a onde está não foi fácil ,ela faz por amor a profissão e muita dedicação .

Ela e meu orgulho te amo .....

Te amo muito mana 💗

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Contestando a

Parabéns Sandrinha Deus te abençoe infinitamente continue nessa força inspirando outras mulheres

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O movimento Vez & Voz é uma iniciativa do SETCESP - Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região.

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