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Mariana Araújo: “A gente se culpa pelo erro dos outros”

Acervo pessoal Mariana Araújo
Acervo pessoal Mariana Araújo

Na minha vida, muitas coisas aconteceram por acaso. Estou há pouco mais de dois anos no setor de transporte. Não imaginei estar aqui, mas foi uma oportunidade que apareceu na minha área de atuação, que é trabalhar com mídias sociais. Sempre gostei de usar a criatividade na comunicação.

Me formei em marketing. Antes de ingressar na faculdade, não tinha uma ideia ao certo do que escolheria fazer. Só pensei assim: quando você investe no estudo, nunca tem nada a perder porque você ganha conhecimento. Mesmo que seja uma área em que você não atue lá na frente.

Gosto de poder executar as ideias que tenho, ter autonomia para realizar as coisas que acredito. Se der certo, é ponto para mim.

Quero muito crescer na carreira, chegar a um cargo de liderança. Acredito que sou mais para líder do que para especialista. Nos projetos, gosto de assumir a frente, também de poder ajudar meus colegas. É difícil trabalhar com ser humano, mas é bem gratificante.

Gasto em média duas horas para ir e voltar do trabalho. Obviamente, a gente não é feliz o tempo todo. Às vezes vem o desânimo, dá vontade de fazer algo diferente. Nestas horas, eu penso que já cheguei bem longe para pensar em voltar.

E apesar de todas as adversidades que enfrento, o que me move é minha família. Em casa, sou eu, minha mulher, Stephanie e, minha cadelinha, a Rita.

No fim de semana aproveito para ver minha mãe e minha avó. Amo minha mãe incondicionalmente, mas com certeza, se fosse eleger uma heroína em minha vida, seria minha avó, Marta. Foi ela que me fez ser a mulher que sou.

Minha mãe engravidou de mim muito jovem. Meu pai me abandonou. Foi minha avó e o marido dela que me cri

aram. Tenho um amor especial de filha por eles. Me criaram com todo carinho do mundo. Tive tudo o que queria, mas no tempo em que eles podiam me dar. Minha família sempre aceitou muito bem minha orientação sexual.


Quando criança, minha avó pegava quatro ônibus para ir ao trabalho e mais quatro para voltar, saía de casa às 3h40 e chegava às 21h. Mesmo com tudo isso, ela ainda achava tempo para conversar comigo e saber do meu dia. Acho que é isso que traz tanta resiliência na minha vida, porque cresci vendo ela suportar distâncias e crises. Vó Marta é tudo para mim.

Acervo pessoal Mariana Araújp
Acervo pessoal Mariana Araújp

Uma vez sofri assédio no ônibus. Estávamos, minha esposa e eu indo trabalhar, pegamos o ônibus de sempre, no mesmo horário. Nesse dia, entrou um vendedor ambulante, sentou atrás de nós. Entre os bancos do ônibus tinha um espaço. Olhando para frente, vi no reflexo ele colocando a mão no vão e tentando nos apalpar. Imediatamente falei com minha esposa: vamos descer agora!

Desci e chorei. Fiquei com raiva porque não gritei, não berrei lá dentro. Deveria ter feito algo. Desse dia em diante fico com a sensação estranha quando há algum homem atrás de mim. É difícil a gente reagir, gritar: hei, você está louco?! Porque o nosso medo é a gente ser taxada como doida. A gente se culpa pelo erro dos outros.

Muita gente até critica, mas o movimento feminista é importante para trazer um pouco mais de consciência. Mulheres morreram para conquistarmos o direito de: trabalhar, votar, de dirigir, de andar de ônibus, de fazer uma laqueadura sem a permissão do marido, de beijar outra mulher. Muitas foram para a luta para conseguirmos estar onde estamos.

E para a gente evoluir mais, isso não só em direitos, mas também pensando em reconhecimento e participação feminina no setor, é preciso que quem está lá no topo use sua posição, para fazer algo por aquelas que estão na base da pirâmide.

É mais fácil para quem já está em um cargo mais alto ser ouvida. Talvez, seja preciso discordar para mudar situações, só que, nem sempre, as pessoas que estão lá em cima, querem se arriscar por conta de outras.  Quem já chegou lá não quer perder o que conquistou. Digo isso, porque, a meu ver, já era para ter melhorado muita coisa.

O Vez & Voz atua exatamente nisso, dá palco para as pessoas que não conseguem ser ouvidas. A pessoa pode até se achar pequena no setor, mas aqui, ela tem um movimento por trás que é capaz de projetá-la.

A gente recebeu muitas mensagens de mulheres falando o quanto o movimento as ajudou. Teve uma especificamente, que nos contou que conseguiu sair de um relacionamento abusivo porque se sentiu acolhida com a nossa postagem.

E para as mudanças acontecerem não existe a necessidade de ações desproporcionais, porque o básico e o simples funcionam. O que a gente quer é que a conscientização do câncer de mama não fique só no Outubro Rosa, que o mês do Orgulho LGBTQIA+ não seja lembrado só em julho, que a Consciência Negra não esteja presente só em novembro.

São temas para serem trabalhados o ano todo. E na sua organização, assim como na vida, você tem que fazer aquilo que prega.

Acervo pessoal Mariana Araújo
Acervo pessoal Mariana Araújo

No SETCESP, montamos um comitê de diversidade, do qual sou a vice-coordenadora. Estamos desenvolvendo um trabalho bem legal de fazer ações voltadas para a diversidade e inclusão. Nosso papel é fazer com que as pessoas tenham empatia por determinados temas que elas desconhecem. As pessoas têm muito medo daquilo que não conhecem.

Se tiver uma pessoa gay do seu lado, ela não vai acabar com a sua vida porque é gay. Isso diz respeito à vida dela, é isso que queremos esclarecer. Já falamos sobre religião, racismo, homofobia, diversidade cultural, etarismo.

Pensamos em trabalhar ações que vão ao encontro das necessidades da organização. Da mesma forma, que o Vez & Voz, é o movimento que atende à necessidade do setor, fomentando a participação de profissionais mulheres no transporte, já que um dos maiores problemas das empresas é a escassez de mão de obra. A gente não está internamente em uma transportadora, mas é o que a gente ouve de muitas delas.


Mariana Araújo é analista de Comunicação do SETCESP.

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O movimento Vez & Voz é uma iniciativa do SETCESP - Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região.

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