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Rosângela Melo: “Sinto que estou abrindo caminho para mais meninas”

A vontade de dirigir surgiu quando eu era criança. Enquanto os garotos estavam brincando de bola e as garotas com bonecas, eu estava sentada debaixo da velha máquina Singer de costura de minha vó, imaginando que aquela roda próximo do pedal era meu volante.

Acervo pessoal

Quando me pediam para ir comprar alguma coisa eu ia sem reclamar, porque eu pensava — eu vou, mas vou de carro! E aí pegava uma tampa qualquer de panela na cozinha e corria, melhor dizendo, acelerava, para cumprir minha missão. Dirigir sempre foi uma coisa que eu gostei de fazer.

Já jovem, quando comecei a trabalhar eu sentia que não me encaixava em nenhuma das atividades com as quais tive de lidar. Aí pensei: eu posso trabalhar dirigindo.

Tirei a CNH (Carteira Nacional de Habilitação) na categoria ‘D’. Mas isso não bastou, porque as empresas querem da gente experiência. Mas como vamos ter experiências se é o primeiro trabalho? Não, dá.

Bati em várias portas, até uma frestinha se abrir para mim. Iniciei, primeiro com transporte de passageiros. Nesta primeira empresa, para que eu ocupasse a vaga de motorista, foi preciso passar por uma espécie de escolinha, e enquanto isso, não recebi nenhuma remuneração. Nos primeiros meses eu fui só para aprender. Mesmo já estando habilitada e tendo passado por todo o processo de avaliação do Detran.

Eles me deram as aulas, e depois de uns meses comecei a trabalhar e ser remunerada. Então, passei a dirigir vans e micro-ônibus. Com o tempo, pensei: eu quero voar um pouquinho mais alto, troquei a categoria da CNH pela ‘E’ e assumi a direção de um ônibus.

Acervo pessoal

Resolvi então mudar e passar de passageiros para cargas, e fui trabalhar como motorista de caminhão. Quanto mais a gente vai subindo, mais vamos ampliando os nossos sonhos. Eu até brinco que o meu próximo passo é tirar a permissão para voo.

Na primeira transportadora que ingressei, não tinha nenhuma mulher como motorista, na maioria das vezes não tem. Depois, passei para uma transportadora mais estruturada, já com mulheres na operação.

Hoje, estou como carreteira na Ambipar Logistics, que tem várias mulheres motoristas, especificamente, dirijo um caminhão tanque. Carrego matéria prima para fabricação de espuma de colchão. É um material classificado como produto perigoso por ser inflamável. Essa não é a primeira vez que eu transporto cargas que exigem um cuidado maior, antes em outra transportadora, trabalhei com transporte de combustível.

Na minha família, só tem eu nesta profissão. Meu irmão é professor, a minha irmã é designer de moda. Eu falo dos dois, porque eu sou órfã. Perdi meus meu pais em um acidente de moto, em 1999.

Agora, pensando aqui comigo, acho que se eles tivessem vivos, eles diriam: filha você está maluca em ser caminhoneira? Como você vai viver sozinha nessa estrada?

Acervo pessoal

É um trabalho preocupante, ...a gente sabe. Só que nós mulheres somos mais fortes do que parece.

A gente está chegando quase no mesmo patamar que os homens nas mais diversas funções. E é isso que eu quero, que as mulheres se igualem, não sejam nem mais, nem menos. Eu quero simplesmente ser igual, ganhar igual, trabalhar igual e ter as mesmas oportunidades.

O que mais me deixa vulnerável é o jeito de como as pessoas nos tratam. Já aconteceu de chegar em um local e a pessoa olhar para mim e falar: ei você não pode ficar aqui, só pode entrar o motorista, — não passa pela cabeça deles, que nós mulheres podemos ser este profissional.

Temos dificuldades também em postos de paradas para usar banheiros, às vezes estão inapropriados até para os homens, quem dirá para as mulheres. Outros pontos só deixam você fazer o uso deles, se abastecer no local. A alimentação também é um desafio, nem sempre é saudável. E às vezes a viagem é solitária também.

Como tudo na vida tem os prós e os contras.

Só que com tudo isso, nunca passou pela cabeça desistir desta vida. Gosto da boleia. A cabine do caminhão também é a minha casa, meu cantinho. Quando eu chego aqui parece que estou no meu habitat natural.

Prefiro considerar que já melhorou muito a nossa profissão e melhores coisas ainda estão por vir. Vejo as pessoas se mobilizando, projetos crescendo, lideranças femininas se desenvolvendo. Já está tudo muito diferente.

Acervo pessoal

Por exemplo, eu conheci o Vez & Voz ali na Fenatran, em 2022, e adorei demais esse movimento. Tomara que tenha cada vez mais adesão. Só gratidão por vocês. É muito bom saber que tem gente pensando na gente. Tudo o que precisávamos é de apoio, e vocês tem feito isso, nos acompanhado de perto.

Eu tenho muito orgulho de ser uma caminhoneira, sinto que estou abrindo caminho para mais meninas. Compus um uma melodia para o Dia do Caminhoneiro, e vou deixar aqui registado uns versos:

“Amigo Caminhoneiro

tenho uma coisa pra dizer

você é povo mais forte

Que a terra pode ver”

Por Rosângela Barbosa de Melo, motorista carreteira na Ambipar.

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